quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Qualquer tema pode/merece ser abordado

O que dá ou retira mérito ao trabalho é o método.


Portanto ontem que foi o Dia Internacional de luta contra a violência sobre as mulheres,
 encarceraram o preso 44 na ala feminina da prisão situada na cidade que é conhecida 
pelo templo de Diana, deusa da caça.

Portugal é uma novela da TVI.
Rui Xará

Não é, nem de longe, a melhor piada do Rui Xará, mas tem o condão de ser educativa sobre o B Á 
BÁ do humor. (Digamos, a sua gramática.) 

1) Pega-se num evento importante talvez menos conhecido (e explica-se claramente)

2) associa-se a outro completamente díspare mas que até se pode elidir

3) encontra-se uma referência real, intemporal, mas esquecida 

4) remata-se à baliza com uma quarta referência, se possível existencial.

Adenda: «Portugal parece» ou «Portugal lembra» seriam igualmente adequadas mas menos fortes. 
E a novela também poderia ser da SIC ou da RTP, ou mesmo do Canal Q, mas teria menor impacto.
 Pensavam que eu ia a dizer «mas não seria a mesma coisa»? Pois, essa é outra lição: nunca lhes 
dar aquilo de que estão à espera. Hoje foi uma aula, com um convidado especial.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

«Violence, by Slavoj Zizek»

Um artigo interessante (sublinhados meus - porque têm a ver com o que dissemos em aula) daqui

The philosopher Slavoj Zizek enjoys a good joke. Here's one of my favourites: two men, having had a drink or two, go to the theatre, where they become thoroughly bored with the play. One feels a pressing need to urinate, so he tells his friend to mind his seat while he goes to find a toilet. "I think I saw one down the corridor outside," says his friend. The man wanders down the corridor, but finds no WC. Wandering further, he walks through a door and sees a plant pot. After copiously urinating into it, he returns to his seat. His friend says, "What a pity! You missed the best part. Some fellow just came on the stage and pissed in that plant pot."
This gag perfectly describes the argument of Zizek's new book on violence. Drunkenly watching the boring spectacle of the world stage, we might feel an overwhelming need to follow the call of nature somewhere discreet. Yet, in our bladder-straining self-interest, we lose sight of the objective reality of the play and our implication in its action. We are oblivious to the fact that we are pissing on stage for the world to see.
So it is with violence. Our subjective outrage at the facts of violence – a suicide bombing, a terrorist attack, the assassination of a political figure – blinds us to the objective violence of the world, a violence where we are perpetrators and not just innocent bystanders. All we see are apparently inexplicable acts that disturb the supposed peace of everyday life. We consistently overlook the objective or what Zizek calls "systemic" violence, endemic to our socio-economic order.
The main ambition of this book is to bring together subjective violence with the objective violence that is its underside and precondition. "Systemic violence is thus something like the notorious 'dark matter' of physics," Zizek writes: invisible to naked eye. Zizek offers a rather cool and at times cruel analysis of the varieties of objective violence. He asks tolerant multicultural Western liberals to suspend our outraged responses to acts of violence and turn instead to the real substance of the global situation. In order to understand violence, we need some good old-fashioned dispassionate materialist critique.
At the heart of Zizek's book is an argument about ideology that has been a powerful, constant feature of his work since he burst onto the intellectual scene in the late 1980s. Far from existing in some post-ideological world at the end of history where all problems can be diagnosed with neo-liberal economics and self-serving assertions of human rights, ideology completely structures our lived reality. This ideology might be subjectively invisible, but it is objectively real. Each of us is onstage, pissing in that plant pot. The great ideological illusion of the present is that there is no time to reflect and we have to act now. Zizek asks us to step back from the false urgency of the present with its multiple injunctions to intervene like good humanitarians.
His diagnosis of this ideology is quite delightful, producing counter-intuitive analyses that overturn what passes for common sense. Zizek rages against the reduction of love to masturbatory self-interest, the multiple hypocrisies of the Israel/Palestine conflict and the supposed liberal philanthropy of Bill Gates and George Soros. There is a fascinating analysis of the scenes of torture of prisoners at Abu Ghraib, which display, Zizek rightly contends, nothing more than the obscene underside of American culture.
But whither all this dialectical brio? Ay, there's the rub. Zizek concludes with an apology for what he calls, following Walter Benjamin, "divine violence". The latter is understood theoretically as "the heroic assumption of the solitude of the sovereign decision". Practically, Zizek illustrates this with the Jacobin violence of Robespierre in France in the 1790s and the invasion of the dispossessed, a decade or so ago, descending from the slum favelas in Rio de Janeiro to disturb the peace of bourgeois neighbourhoods. But, in a final twist, Zizek counsels us to do nothing in the face of the objective, systemic violence of the world. We should "just sit and wait" and have the courage to do nothing: "Sometimes, doing nothing is the most violent thing to do".
True enough, but what can this possibly mean? At the core of Zizek's relentless, indeed manic, production of books, articles and lectures is a fantasy, I think: what psychoanalysts would call an obsessional fantasy. On the one hand, the only authentic stance to take in dark times is to do nothing, to refuse all commitment, to be paralysed like Melville's Bartleby, the true hero of this book and others by Zizek. On the other hand, Zizek dreams of a divine violence, a cataclysmic, purifying violence of the sovereign ethical deed, something like that of Sophocles' Antigone.
But Shakespearean tragedy is a more illuminating guide here than its ancient Greek predecessor. For Zizek is a Slovenian Hamlet, utterly paralysed but dreaming of an avenging violent act for which, finally, he lacks the courage. In short, behind its shimmering inversions, Zizek's work leaves us in a fearful and fateful deadlock: the only thing to do is to do nothing. We should just sit and wait. As the great Dane says, "Readiness is all". But the truth is that Zizek is never ready. His work lingers in endless postponement and over-production. He ridicules others' attempts at thinking about commitment, resistance and action (we have crossed swords recently) while doing nothing himself. What sustains his work is a dream of divine violence, cruelty and force. I hope that one day his dreams come true.
Simon Critchley is professor of philosophy at the New School for Social Research in New York. His 'The Book of Dead Philosophers' will be published by Granta in June
Profile £12.99 (218pp) £11.69 (free p&p) from 0870 079 8897

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O sumário da aula de 2ª 10/11, segundo S. Hugo Mamede

Sumário da aula de 10 – 11 – 2014 (a Teoria do Caos e a Vida do Livro)
Hugo Mamede

·         O trabalho do editor parece estar mais limitado do que seria de esperar, em parte porque os colegas com quem trabalha, nomeadamente do Marketing/Comunicação, têm uma palavra forte a dizer sobre a viabilidade comercial de diversos aspectos ligados à edição, tais como a escolha da capa ou a tiragem.
·         Também ligada à viabilidade comercial (importante não descurar que o livro é um objecto que pretende gerar receitas), há que considerar não só as opiniões dos diferentes parceiros da editora como ainda o percurso de vida do livro:
Podemos considerá-lo como um ser vivo autónomo, no sentido em que também ele está sujeito à lei física da Teoria do Caos, que postula: 1– as ocorrências futuras são por definição imprevisíveis; 2 – “life finds a way”; 3 – é inútil tentar controlar o rumo dos acontecimentos.
·         A longevidade de um livro quando sai para as livrarias pode variar bastante, assim como o maior ou menos sucesso de vendas. Tipicamente, quando falamos de obras de ficção, observamos um grande entusiasmo inicial nas vendas assim que o livro é publicado. Este entusiasmo costuma durar duas semanas, e então regista-se uma natural quebra abrupta de consumo. A publicidade e a exposição da obra sobre outras formas, nomeadamente através de recomendação privada, costuma ajudar a criar ímpeto do lado da procura. Mas também há factores que permitem fazer renascer o livro depois de este ter terminado o seu percurso inicial de vida no mercado, como é o caso do autor vencer subitamente um prémio importante, entre outro género de publicidade impactante.
·          Existem pelo menos mais dois modelos de longevidade do livro que são comuns. O primeiro diz respeito àqueles livros que vendem de uma maneira regular e periódica, embora sejam vendas sempre pouco expressivas. Aqui falamos de obras que conseguem manter uma certa actualidade ao longo do tempo ou que são obrigatórias adquirir por períodos sazonais, como é o caso dos manuais escolares. O segundo modelo de longevidade é o que corresponde a suaves curvas ascendentes ou descentes num gráfico de vendas/tempo. Estes são livros que pela sua natureza não vendem muito, como é o caso de alguma não-ficção, e que apesar de nunca experimentarem explosões de vendas são sempre sensíveis à publicidade ou ao “passa-palavra” como elementos de estímulo comercial.
·         Se a publicidade é importante, então há considerações a tecer sobre os importantes parceiros do livro, nomeadamente a crítica. No caso da crítica literária, e ao contrário do que acontece na de cinema ou teatro, os jornalistas parecem “divorciados” de uma ética de trabalho. É que é normal escreverem-se apreciações sobre livros antes de eles serem publicados ou então muito depois de eles já estarem à venda, o que talvez se possa explicar pelo facto do livro ainda ser entendido como um objecto ambíguo: em parte coisa cultural (prestigiante), em parte coisa comercial (vulgar).
·         O caso Lobo Antunes como o de um autor genial mas que produz em sucessão tantas obras-primas que os seus livros acabam por gerar um efeito de cansaço nos leitores.
·         O nosso estilo de vida define hábitos de consumo: para tempos mais ambulatórios como os de hoje, é normal que se deixe de consultar uma exaustiva Encyclopædia Britannica para se dar primazia à rapidez e facilidade de acesso da Wikipédia.

·         Os livros de bolso não são mais do que reedições tardias só que com papel de menor qualidade e produção mais barata. Assim entendidos, podemos concluir que em Portugal praticamente não existem.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

A organização interna do discurso

Querido Portugal,

de R.A.Pereira           
 
Temos de falar. Como sabes, o meu amor por ti tem resistido a tudo. Tu és pobre, sujo em vários sítios e estúpido muitas vezes. Mas há em ti uma certa ingenuidade que faz com que até os teus defeitos - e são tantos - me seduzam. Na maior parte das vezes não és mau, és só malandro. E tens três qualidades que compensam tudo o resto: a comida, a língua e o clima. Era precisamente sobre isto que te queria falar.

Andas a desleixar-te. A comida já foi melhor. Bem sei que a culpa não é só tua. A União Europeia proíbe umas coisas, os nutricionistas desaconselham outras. Mas já não se encontram jaquinzinhos, os restaurantes receiam fazer cabidela e a medicina parece ter arranjado um método infalível para determinar o que é prejudicial à saúde: se sabe bem, faz mal.

A língua também já não é o que era. Não me entendas mal: continua a ser a tua maior virtude. Não sei como é possível uma pessoa exprimir-se numa dessas línguas bárbaras que não distinguem o ser do estar. Embora os franceses e os ingleses, aparentemente, não o saibam, ser bêbado é muito diferente de estar bêbado. Mas, quando eu era pequeno, setores era o nome que se dava aos professores. Hoje, setores é a versão actualizada da palavra sectores. Na escola, os setores explicam o que os setores são. No meu tempo, o sector primário era a área de actividade que compreendia a agricultura e outras formas de produção de matérias-primas, e um setor primário era um professor do ensino básico. Agora, é tudo a mesma coisa, assim como "être" e "to be" significam tanto ser como estar.

Outra coisa: isto do clima não pode continuar. Este verão foi muito fraco. Houve pouco sol e a água estava fria. Não se admite. A gente tolera a corrupção, a injustiça, a inveja, o subdesenvolvimento e tudo o mais que tu conseguires gerar. Mas tem de estar sol. Se é para não haver verão, nem subtilezas linguísticas, nem papas de sarrabulho, mais vale irmos para a Finlândia, onde as coisas funcionam. E a moral sexual das moças nórdicas é muito mais relaxada. Tens de escolher: ou há regular funcionamento das instituições, ou há céu pouco nublado ou limpo. Vê lá isso, por favor.

Um grande beijo,
Ricardo