Vasco Oliveira:
Núpcias [BRUTO]
(diálogo)
Ele olhou-me fundo e disse:
– Quem me
dera que tu existisses.
– Como
assim?
(Vasco)
– Que existisses…
Que lavasses a minha alma que tão magoada está.
– Sinto-te,
como dizê-lo… Metafísico. Perdeste a memória dos nossos primeiros beijos?
(André)
– Não a
perdi porque nunca a tive… nunca me beijaste, não te lembras?
– Lembro-me
do que não vivemos.
(Miguel)
– Talvez
nós dois não tenhamos existido, nunca.
– Andávamos
em caminhos opostos?
(Diana)
– Não sei, não
sei que caminho tomaste enfim, se alguma vez viste as minhas pegadas.
– Não
costumo olhar para trás, e à minha frente nada havia.
(Catarina)
– À minha
frente há sempre o nada do por realizar e tu, meu amor que não foste, amor de
outros como eu que não eu, tu não estiveste ainda nunca à minha beira “como a
esfera do cântico dos cânticos”.
(João
Ferreira)
– Por
favor, dá-me uma oportunidade, pois os meus sentimentos por ti são mesmo
verdadeiros. Estou a ser sincero.
– Não sei,
são tantas as minhas dúvidas!... Vou pensar!
(Margarida)
– Pensa bem
pois o sentimento mudo e o meu muda tão rapidamente.
(Nat Naree)
– Deixa-te
dessas pressas loucas, sem sentido e nefastas.
(Carla)
– Não
penses, não esperes, não hesites, não negues o que sei que sentes, é isso que
vai importar sempre, quer vás, quer fiques… O que sentes,
o que sentes.
– Não,
desculpa… Já passou demasiado tempo, aconteceu demasiada merda, perdemo-nos. É
tão tarde para existirmos… Somos restos de gente, restos de um amor que foi e
não volta. Perdemo-nos, nós perdemo-nos.
(Vasco)
FIM
TEXTO
EM BRUTO
(André
de Medeiros Palmeiro)
Três horas da tarde.
Chovia. A calçada resvaladia atormentava os transeuntes. Rita espreitava os
bonecos desarticulados de uma montra de loja dos trezentos.
À espreita, estava um
porquinho mealheiro. Tão vazio, tão triste. Ela olha-o descrente na vida, no
amor, no dinheiro. Leva a mão à mala e nem um cêntimo que lhe sirva.
Entretanto, também uma
boneca insuflável repara em Rita e no porquinho e aconchega este último bem
junto de si. Queria a boneca ficar com o porquinho e roubá-lo a ela, pensou
Rita de imediato. Enquanto pensava, remexia os bolsos na procura de um euro que
fosse para o levar com ela.
Mas nada feito, parecia
que os bolsos tinham buracos. Olhou em volta; ninguém na rua. Deitou um olho à
loja e reparou que só estava um rapazinho magro atrás do balcão. Não será por
um euro perdido que morrerá de fome. Resolveu arriscar.
Entrou de mansinho na
loja, como quem interroga os próprios passos. O rapazinho magro finge não a
ver, os jeans curtos e as pernas bronzeadas
acelerando-lhe os batimentos cardíacos. Titubeante, acerca-se do porquinho
mealheiro com papel de embrulho nas mãos. Rita sorri-lhe. O rapazinho magro
embrulha o porquinho e entrega-o a Rita. Um grupo de rapazolas invade a loja numa berraria desenfreada enquanto, lá fora, um
arco-íris radioso se escancara no horizonte.
Sem comentários:
Enviar um comentário